segunda-feira, 19 de março de 2007

Helena das Sete Luas


01

Tuas mãos têm sete luas.
Teus pés, a dança das cobras.
Teus lábios, veneno e vinho.
Teu rosto, riso e navalha.

Teu ventre tem sete algemas.
Tua boca, a voz dos fantasmas.
Teus pés, ventania e vício.
Teu corpo, inferno e tocaia.

Teus dedos têm sete sóis.

Teus pés, a dança das águas.
Teus olhos, lagoa e lua.
Teu corpo, incêndio e mortalha.

Teus olhos têm sete estrelas.
Teus lábios, fogo e deboche.

Teu peito, punhal e sangue.
Teus dedos, ódio e chicote.

Teus olhos têm sete rios.

Teu corpo tem duas fomes:
teu ventre, atiçar meninos;
teus pés, esmagar os homens.

02

Tu és a deusa da ganância, vampiresca víbora,

insaciável estrela.
Levaste ao suicídio quatrocentos príncipes.
Por ti se trucidaram condes, duques, generais,
marqueses, barões, poetas,

cirurgiões e operários,
por ti se desgovernaram astronautas e druidas,
menestréis e milionários,

banqueiros e gigolôs.

Por ti se mataram todos,

com floretes e pistolas,
madrugadas e neblinas.

03

Tu és a deusa da extorsão, belíssima patife,

incomparável crápula!
Levaste ao cadafalso velhos e meninos
a quem subjugavas sob teu fascínio

e concedias tudo em troca de um cadáver.

E assim, os teus autômatos, sonâmbulos carrascos

semearam no planeta inconcebíveis mortes.
Teus dedos invisíveis arrasaram todos
os que não se curvaram à tua realeza,
e se desvencilharam de teus dons malignos,
e se fizeram imunes aos teus encantamentos.

04

E não te bastaram jóias;

querias, também, terrenos.
Terrenos, só, não bastaram;

querias apartamentos.

Logo depois, desdenhavas:

querias lojas, cinemas.
E não houve quem matasse
tua fome de precipício.
Não houve um que sustasse
a avalanche de pedidos.

Nos cassinos, nas roletas,

do bacará à sarjeta
conduziste legiões.
À bancarrota empurraste
comerciantes austeros,
chefes de indústria severos,

famílias tradicionais.

05

E não houve quem dissesse

um não ao que ela exigisse
por uns minutos de gozo

naquele inferno sublime.

E não houve quem fechasse
bolso, cofre, conta em banco.

E não houve quem negasse
de uma boneca de louça
a um iate de luxo.
Como, tampouco, não houve
algo que ela recusasse:
casas, pérolas, mansões,
fazendas, carros, viagens
vestidos, peles perfumes,
castelos, ouro, diamantes,
ruas, fábricas, cidades,
estados, minas, indústrias,
países, petróleo, tudo.

06

Até que o mundo se pôs
sob o jugo da rainha.

Em todos os continentes
tremulavam estandartes
de Helena das Sete Luas.

Estátuas de soberana

se levantaram nas praças.
Painéis, murais gigantescos
com a efígie da rainha
nasciam nos edifícios.